OPERAÇÃO ESPANTALHO

Domingo amanheceu em conflito no Largo São Francisco. Às seis horas da manhã, a Guarda Civil Metropolitana iniciou a chamada “Operação Espantalho”, que, sob o pretexto de preservar o patrimônio público e histórico do local, foi responsável pela retirada violenta de pessoas em situação de rua da frente da Faculdade de Direito. A abordagem foi ademais desproporcional, uma vez que vários moradores do Largo foram acordados a pontapés e dispersados por spray de pimenta.

A operação não se restringiu ao evento do domingo. No feriado do dia 7 de Setembro, ação semelhante ocorreu no Parque D. Pedro II e na segunda, dia 10, ela se deu não só na Avenida do Estado, como continuou no Largo São Francisco. Neste último episódio, uma resistência formada por moradores, estudantes, religiosos e militantes conseguiu que a ação fosse abortada.

As operações de limpeza não são novidade no centro ou no Largo São Francisco. Percebe-se, porém, que elas tendem a ser mais tímidas quando há plateia, composta por transeuntes e alunos da Faculdade de Direito. Portanto, os últimos dias, com pouco movimento para os padrões habituais do centro da cidade, tornaram os locais perfeitos cenários para tais ações. Também é intrigante observar que, em vídeo gravado e disponibilizado pela Rede Rua durante a operação no domingo, guardas entram na faculdade livremente em um dia em que, normalmente, as portas estariam trancadas.

Em paralelo, percebe-se entre os estudantes do Largo uma sensação de insegurança, causada por constantes relatos de assaltos e situações de violência ocorridas nos arredores. Experiências pessoais e alheias, contadas por conhecidos ou pela mídia criam um clima de medo, que colabora para que as pessoas passem a tratar como ameaça todos aqueles cujas características externas coincidem com os estereótipos de “maus elementos”. Passam assim, a responsabilizá-los pela insegurança que se cria. Essa postura reforça preconceitos e acaba por legitimar ações violentas, como a que ocorreu no domingo.

Essa operação em nada contribui para melhorar a segurança dos estudantes. Ao contrário, ao espantar as pessoas de seus lugares habituais, apenas colabora para aumentar a insegurança.

Desde julho, época em que as operações da GCM em conjunto com a limpeza urbana começaram a se tornar mais frequentemente violentas, o medo sentido pelos franciscanos apenas aumentou. Muitos estudantes, inclusive, pediram por segurança principalmente no caminho entre a Faculdade e o metrô, mas o que vemos é apenas uma concentração da GCM no próprio Largo, o que não impediria a continuidade dos assaltos, da violência etc.

Há o temor de que essa e outras operações da GCM na área sejam apenas uma espécie de treinamento para uma ação maior, que atingirá além da Sé, o Pátio do Colégio, o Viaduto do Chá, o Vale do Anhangabaú e a Bela Vista. O que aconteceu no domingo no Largo se insere na lógica das políticas implantadas pelas últimas gestões municipais para “revitalizar o centro”.

Os moradores de rua que já vivem no centro geralmente são contemplados de forma negativa – não há interesse em se pensar alternativas ao precário sistema de albergues e moradias sociais – políticas que poderiam significar uma possibilidade de saída da rua (dos cadastrados em programas há anos, a maioria não obteve resposta). A cidade encontra-se cada vez mais em intervenções cujos principais atores são as novas relações entre poder público e privado, e interesses da especulação imobiliária.

O centro só será democrático quando, de fato, for visto como área de interesse social e não como uma arena de poucos ou um mero local de passagem. A política higienista é vista pelos governantes e por parte da população como solução aos problemas urbanos. Se por um lado, a mídia contribui para a construção de estereótipos da população de rua como responsável pela insegurança urbana, por outro, a invisibilidade dos crimes praticados por agentes do governo contribui para a construção de uma sensação difusa de tranquilidade e resolução de problemas. Ou seja, enquanto a população em situação de rua é vista como inimigo social, as autoridades são retratadas como agentes que atuam com parcimônia, visando apenas à ordem e à segurança.

Esclarecer a dinâmica existente por trás das reações violentas preventivas pode contribuir para reverter o círculo vicioso de medo, ódio e da exclusão em todos os níveis sociais. Tornar públicos estes acontecimentos contribui para dar visibilidade à vida do “povo da rua”, o que, de certa forma significa afirmar que eles também são cidadãos e como tais, também possuem direitos.

Apoiam essa nota:

Academia de Letras da Faculdade de Direito da USP

Centro Acadêmico XI de Agosto

Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos

Coletivo Avante!

Coletivo Feminista Dandara

DCE Livre da USP 

Departamento Jurídico XI de Agosto

Fórum da Esquerda

Grupo Universidade Crítica 

Grupo de Estudos em Direito e Sexualidade da Faculdade de Direito da USP (GEDS)

Movimento Nacional da População de Rua (MNPR)

NDDH – Núcleo de Defesa de Direitos Humanos da População em Situação de Rua e Catadores de Materiais Recicláveis

Núcleo de Direito à Cidade

Organização do Auxílio Fraterno – OAF 

Pastoral da Rua da Arquidiocese de São Paulo

Rede Rua

SAJU

Teatro do Largo

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